Me conta um conto: Cris(es)
Em tempos difíceis, a leitura é um meio de escapar dos contratempos que há na vida da gente e abstrair o pensamento. A escritora e nossa colaboradora Cirlene Lima escreveu esse conto que traz uma mistura de realidade, particularidade e mexe com o imaginário do leitor. Mesmo em tempos de pandemia, não podemos deixar que as crises tomem conta de nós, somos mais fortes que tudo isso.
Confira no conto “Cris(es)” um traço do cotidiano de quem vive a atual realidade e que saibamos tirar proveito das dificuldades que a vida apresenta para seguir adiante, melhor que antes.
Cris(es)
Flávias, Jaquelines, Helenas, Ângelas, Crises… Crises! Esta representa muito bem o momento que estava vivendo. Crise financeira, crise espiritual, crise materna, crise profissional, crises e crises. Havia se perdido numa completa e total crise de identidade. Sabia que não era a única, pois buscava ajuda em Youtubers que produziam vídeos para pessoas que estavam assim como ela, em crise.
Crise de identidade, pois não se reconhecia mais em meio a tantas máscaras que tinha que colocar para sair por aí perpetuando sutilmente a filosofia contemporânea que o mais importante é ter que ser.
Lendo os comentários um a um pudera perceber que incontáveis eram as pessoas que se encontravam em crises semelhantes e sabia que não iria resolver transferir a culpa, pois há aqueles que transferem a sua culpa para os outros e até mesmo para coisas.
Escusas esfarrapadas. Culpam até a tecnologia e seu avanço, a velocidade na transmissão das informações, o fuxico digital, as comidas processadas, a publicidade de produtos e serviços, o cartão de crédito (coitado), o cônjuge e filhos, os pais e irmãos, o trabalho (quando não – o patrão), culpam o professor e a escola e até o líder espiritual, isso é crível?
E o tempo? Este nem se fala, é culpado por tudo. Cada justificativa, que nem o declarante consegue acreditar.
Pensava consigo:
_O isolamento social, dentre outras coisas, serviu para desmentir muitos dos que se apoiam na muleta da “falta de tempo”, pois tempo é que se tem de sobra neste momento da História.
Mas as pessoas continuam a transferir. Transferem a culpa como transferem dinheiro, quando o tem, e a culpa também, pois como transferir o que não se tem. Digo isso, pois é assim que se veem, isentos de culpa e responsabilidades daquilo que não foi como gostariam.
Impulsionada pela frase do filósofo Cortella – “Mudar é complicado, mas se acomodar é perecer” – resolveu lutar por sua sobrevivência, assumir os riscos e a autorresponsabilidade. Não mais se esquivar ou vitimizar. Era o momento de colocar os pés firmemente no chão e seguir seu caminho, minuciosamente traçado, sabendo que é preciso correr riscos planejados. Sabia que no final da Pandemia queria ter algo de bom para contar, um feito, quiçá?
Cirlene da Silva Lima é licenciada em Letras pela Universidade de Brasília e Bacharelando em Teologia pelo Instituto de Teologia e Educação Gênesis. Atua como professora mediadora presencial do curso em Inglês Básico ofertado pelo Polo Universitário de Buritis em parceria com o IFNMG.